Com a chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, em 1808, a capital do Império Ultramarino Português é transferida para cidade do Rio de Janeiro que assume, de forma categórica, os costumes portugueses e passa a ser palco das grandes festas e comemorações reais além das manifestações populares, como as touradas, as festas negras e o entrudo, durante os dias de carnaval.
Após a independência do Brasil costumes parisienses passam a influenciar a vida na capital do Brasil que vê sua principal artéria, a rua do Ouvidor, transformar-se numa espécie de rue Vivienne. No Rio de Janeiro essa necessidade de ocupação dos espaços públicos se traduziu também na tensão entre o antigo carnaval ao estilo português e a nova folia à francesa. O primeiro, chamado de entrudo, era criticado por sua brutalidade e grosseria, o segundo louvado pela civilidade e elegância de suas brincadeiras. Enquanto o entrudo se caracterizava pela verdadeira guerra de limões de cheiro e de baldes de água travada entre a população da cidade, o novo carnaval afrancesado era marcado pelos sofisticados bals masqués, com suas fantasias e mascarada, e pelas sociedades carnavalescas, grupos de foliões que desfilavam pelas ruas.
Entretanto, ao contrário do que previa, o novo carnaval não substituiu o antigo entrudo. As ruas do Rio de Janeiro, ocupadas pela festa popular e pelas brincadeiras da elite acabaram forçando o diálogo entre estes dois "carnavais", propiciando o surgimento de uma nova folia unindo a alegria e espontaneidade das brincadeiras populares.
O entrudo foi até meados do século XIX a principal e mais difundida manifestação carnavalesca no Rio de Janeiro. Somente após o surgimento das Grandes Sociedades Carnavalescas, em 1855, e com apoio de campanha negativa feita por jornalistas, médicos, higienistas, entre outros segmentos profissionais, a expressão “entrudo” passaria a designar um jogo de molhadelas proibido e em oposição ao carnaval.
“... costume de molhar-se e sujar-se uns aos outros com limões ou laranjinhas de cera recheados com água perfumada, com recurso a seringas, gamelas, bisnagas e até banheiras — e todo e qualquer recipiente que pudesse comportar água a ser arremessada. Incluía também, em determinadas situações, o uso de polvilho, ‘vermelhão’, tintas, farinhas, ovos e mesmo lama, piche e líquidos fétidos, entre os quais urina ou ‘águas servidas’.”
O entrudo era uma oportunidade de se pregar peças a conhecidos ou passantes, ocasião de fazer pilhérias com o fim de ridicularizar o outro, ações que fora daquele dado contexto podiam implicar em atritos e problemas. A presença e a predileção feminina por esta manifestação carnavalesca é uma das razões que ajudam a explicar a longevidade do entrudo. Muitos relacionamentos amorosos e casamentos foram iniciados durante o entrudo.
Apesar de toda a sua popularidade, o entrudo foi considerado como uma prática ilegal. A despeito de todas as iniciativas estatais de repressão e controle, a brincadeira se manteve durante o período colonial, estendeu-se por todo o Império e ainda pôde ser verificada nas primeiras décadas da República. Foi no período republicano que se intensificou a repressão ao entrudo, tendo sido especialmente na década de 1890 abundantes as proibições legais e as ações policiais. Tal campanha negativa encontrava eco na imprensa carioca, médicos, higienistas, cientistas, urbanistas que passaram a se preocupar com a ordenação urbana, numa tentativa de conferir a cidade do Rio de Janeiro uma aura civilizada e eliminar “os hábitos grosseiros e vulgares”.
Apesar do Carnaval ser considerado profano pela Igreja Católica, sua compreensão só se completava se pensada em relação à quaresma, um tempo de jejum. A Igreja Católica Apostólica Romana trata a quarta-feira de cinzas como um dia para se lembrar a mortalidade. Missas são realizadas tradicionalmente nesse dia nas quais os participantes são abençoados com cinzas pelo Padre que preside a cerimónia. O Padre mancha a testa de cada celebrante com cinzas, deixando uma marca que o Cristão normalmente deixa em sua testa até ao pôr do sol, antes de lavá-la
No Século XIX com a crescente secularização da elite brasileira, em 1877, o Bispo do Rio de Janeiro Dom Pedro Maria de Lacerda declarou que Igreja perdeu a sua Influência sobre os hábitos dos fiéis, uma vez que estes estavam naquele momento se dedicando às festividades do carnaval com fantasias de religiosos.
Sua Carta Pastoral, em que condenava o comportamento da população no Carnaval daquele ano:
“Pobre carnaval! Ele veio de uma horrível, mas evidente prova de quão pouco ainda Jesus Cristo é conhecido e amado e quanto sua Igreja é odiada por alguns. Se Jesus Cristo fosse por todos reconhecido verdadeira Pessoa Divina, sua Mãe em vez de ultrajes só receberia ovações e cultos dos mais rendido acatamento; se a Igreja de Jesus Cristo fosse por todos reconhecida e qual foi por ele instituída, não veríamos publicamente ludibriados o nome do Papa, as pessoas do bispo, Sacerdotes, Religiosos e Irmãs de Caridade e tudo no meio de prostitutas se campeavam altivas descompostas”
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