É possível criar átomos?

Existem algumas máximas da sabedoria popular que se aplicam à ciência, e uma delas é “nada se cria, tudo se transforma”. Isso é verdade para a matéria do universo. Tudo o que conhecemos — e o que ainda não tivemos a oportunidade de conhecer — foi “criado” após o Big Bang, e o que aconteceu em seguida foram reações químicas que transformaram partículas em átomos e átomos em matéria. Mas será que é possível criar átomos?

No primeiro instante do Big Bang, toda a matéria existente ainda estava na forma de plasma. Devido às reações químicas e à expansão rápida do universo, essa matéria primordial foi capaz de “se transformar” até que o universo se tornou mais complexo (ou “caótico”, se você preferir). E por causa das leis da entropia, a matéria não poderia voltar ao seu estado anterior. Ou seja, a tendência da matéria é sempre sofrer transformações para adquirir maior complexidade, nunca para o estado “organizado” ou simplificado anterior.

Mas o que isso tem a ver com criar átomos? Bem, se você deseja manipular a matéria, é muito útil saber de onde ela veio e como ela funciona. Não podemos violar as leis fundamentais da física, mas às vezes é possível encontrar algumas brechas para “trapacear” — e a própria natureza nos dá dicas para isso.

Então, é possível criar átomos?

(Imagem: Reprodução/Sketchfab/superdancraft)

Se você quer fazer um átomo “do nada”, com ingredientes que não sejam outros átomos, a resposta simples é não Afinal, como você já deve ter deduzido na introdução sobre o Big Bang, tudo o que vamos encontrar por aí são partículas e átomos já existentes. Mas podemos nos aprofundar um pouco na física das partículas para saber como fazer átomos com as partículas que já existem.

Todos os átomos vieram do hidrogênio (H), que foi o primeiro elemento químico formado, e é o mais simples do universo. Ele é formado por um próton, que faz o papel de núcleo, e só há um elétron orbitando em torno desse núcleo. Elementos mais complexos possuem, além do próton, o nêutron para formar o núcleo. Então, se tivermos prótons, nêutrons e elétrons, teoricamente podemos fazer átomos. E se estivermos sem esses três ingredientes, como podemos criá-los?

Bem, para responder essa nova pergunta — na ciência, é muito comum que uma resposta venha acompanhada de um novo problema para resolver — continuemos nossa engenharia reversa. Prótons e nêutrons são hádrons, isto é, partículas compostas por quarks, que por sua vez são partículas elementares, ou seja, indivisíveis. Infelizmente não podemos encontrar quarks nas prateleiras dos supermercados, pois para que eles se formaram em um momento especial e misterioso do Big Bang.

Para a formação de hádrons (prótons e nêutrons) acontecer, houve uma mudança de fase no universo conhecida como “hadronização”. O universo era composto pelo plasma inicial — chamado “quark-gluon plasma” — com muitas partículas livres e bastante energéticas, mas então elas começaram a ser confinadas em partículas compostas. Todos os quarks tiveram então seus destinos decretados: nenhum quark livre poderia ser encontrado.

Ilustração do Big Bang (Imagem: Reprodução/ESO/M. Kornmesser)
Ilustração do Big Bang (Imagem: Reprodução/ESO/M. Kornmesser)

Após a hadrozinação, o universo conseguiu produzir prótons e nêutrons — que são formados por três quarks — mas as combinações deles em núcleos de átomos não são estáveis. Isso ocorre porque a energia dessas partículas é tão alta que qualquer coisa consegue quebrar a ligação entre elas partículas (essa informação será muito útil no final). O jogo começa a mudar quando o universo tem cerca de 100 segundos de idade (exato, tudo isso aconteceu em apenas 100 segundos!) com a queda da temperatura e as reações de fusão nuclear criarem os primeiros núcleos de átomos. Também entra em ação a força forte, que mantém prótons unidos no núcleo.

Somente elementos leves são formados nessa fase inicial, sendo que o hidrogênio corresponde a mais ou menos 75% da matéria do universo. Em seguida, 25% de Hélio e pequenas quantidades de Deutério, Lítio e Berílio. Até aqui, se passaram apenas três minutos após o Big Bang. Ah, note que estamos falando apenas de núcleos dos átomos, pois ainda não havia elétrons girando ao redor deles. Isso só foi ocorrer cerca de 380 mil anos depois.

A fase onde os núcleos ganham elétrons é conhecida como recombinação, o último processo para a formação dos elementos mais leves. Átomos mais pesados só foram formados depois do nascimento das primeiras estrelas, porque elas são as grandes fabricantes de vários elementos naturais da tabela periódica, através da fusão nuclear. Basicamente, elas transformam átomos de hidrogênio em hélio, e assim por diante.

Uma linha cronológica do início do universo, incluindo a fase da hadronização (Imagem: Reprodução/The Ohio State University)
Uma linha cronológica do início do universo, incluindo a fase da hadronização (Imagem: Reprodução/The Ohio State University)

Então, agora que sabemos como os átomos se formaram, podemos reproduzir esses mesmos processos para fazer nossa própria fábrica de átomos? Na teoria, precisaríamos de um bocado de plasma quark-gluon à disposição e reproduzir as mesmas condições do universo em seu primeiro milionésimo de segundo. Mas, como foi dito no início, a entropia não nos permite fazer isso. Não podemos fazer as partículas de um objeto qualquer voltarem ao estado mais primordial — o plasma quark-gluon — porque a entropia faz com que elas guardem informação.

Por exemplo, se queimarmos uma folha de papel até as cinzas, e assoprarmos essas cinzas até desaparecerem no ar, as partículas subatômicas ainda guardarão as informações — como spin, massa, carga — que elas tinham quando formavam uma folha de papel. Se dominássemos o mundo quântico, seríamos capazes de reconstruir aquela folha de papel, a partir dessas informações. Mas nem mesmo assim poderíamos criar átomos do nada. Precisaríamos de quarks e estes jamais voltarão a se dividir, jamais serão livres.

Recentemente, uma equipe de cientistas conseguiu recriar as condições do universo primordial e observar a matéria prima no plasma semelhante àquele que houve no início do universo, mas para isso tiveram que usar o Large Hadron Collider (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo. Como um instrumento como o LHC não cabe em nossa garagem, teremos que usar partículas maiores que quarks para tentar produzir nossos átomos. Começamos o texto afirmando que “nada se cria, tudo se transforma”, e é exatamente assim que podemos misturar alguns ingredientes e fazer “alquimia”.

Criando átomos por fusão e fissão nuclear

(Imagem: Reprodução/Phoenix)
(Imagem: Reprodução/Phoenix)

Na equação E=mc² (que na verdade é um pouco mais complicadinha do que a forma como é difundida), Einstein descreve a equivalência massa-energia. Significa que uma certa quantidade de matéria pode ser convertida em energia, ou seja, são interconversíveis: é teoricamente possível transformar matéria (massa) em energia e vice-versa. Segundo a fórmula, a massa m de um corpo em repouso multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz (c = 300.000 km/s) é a energia contida nessa massa.

O problema aqui é a velocidade da luz, algo impossível de se atingir. Aceleradores de partículas conseguem arremessá-las a velocidades muito próximas a 300.000 km/s, por isso o LHC consegue grandes façanhas. Há outro lugar onde algo incrível acontece: usinas nucleares. Lembra que as partículas são cheias de energia? É aqui onde essa informação se torna mais importante. Em usinas, núcleos atômicos pesados são fissionados (quebrados) em núcleos menores, o que libera aquela energia, capaz de ferver água e mover turbinas — ou explodir coisas.

Mas a parte desse processo que nos interessa é que a fissão nuclear pode quebrar núcleos maiores em núcleos menores e, assim, podemos criar átomos de elementos mais leves do que aqueles que temos em mãos. Um exemplo é a reação de decaimento do urânio-235, que gera átomos de chumbo. Aliás, esse processo é o que permite aos cientistas determinar a idade da Terra pela medição da quantidade de chumbo, porque ele é o último elemento da série radioativa em rochas que contêm urânio. A má notícia é que fissão nuclear não é nada fácil (e você não vai querer fazer isso na cozinha da sua casa).

Os quarks estão "condenados" para sempre, portanto, não podem ser livres. A natureza do confinamento dos quark é representada nessa imagem de uma bolsa elástica que permite que os quarks se movam, desde que você não tente separá-los ainda mais (Imagem: Reprodução/Ziming Liu)
Os quarks estão "condenados" para sempre, portanto, não podem ser livres. A natureza do confinamento dos quark é representada nessa imagem de uma bolsa elástica que permite que os quarks se movam, desde que você não tente separá-los ainda mais (Imagem: Reprodução/Ziming Liu)

Já no processo de fusão nuclear, que como já mencionamos ocorre nas estrelas, o hidrogênio é convertido em hélio e assim por diante. Esse processo pode continuar, dependendo da massa da estrela, até obtermos ferro. Durante os últimos momentos de uma estrela massiva, a fusão seguinte faz com que elementos mais pesados ​​sejam formados, até o urânio. Sabendo disso, os cientistas usaram a fusão nuclear para criar elementos ainda mais pesados ​​(ou seja, além do urânio, que atualmente vai do número 93 ao 103).

Isso é feito bombardeando elementos com outros elementos ou partículas. Novamente, é preciso um equipamento muito robusto, mas a humanidade realmente conseguiu criar átomos de elementos mais novos e mais pesados, que provavelmente não existe em outra parte do universo observável. A desvantagem é que esses núcleos superpesados ​​são instáveis ​​e decaem em núcleos menores muito rápido.

Então, podemos fazer novos átomos, desde que tenhamos alguns átomos já existentes para quebrar ou fundir. A humanidade apenas começou a compreender esses processos — estamos mexendo com átomos há pouco mais de 100 anos — e não sabemos onde a ciência pode nos levar. Mas se você quer ver como seria legal se pudéssemos simplesmente manipular as partículas para criar átomos, o “jogo” abaixo nos dá uma boa noção.

Fonte: Canaltech





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