A confirmação do primeiro caso de febre aviária em uma granja comercial brasileira,
ocorrida em maio de 2025 no município de Montenegro, Rio Grande do Sul, marcou um
momento decisivo para o agronegócio nacional e reverberou pelos mercados globais.
Como líder mundial na exportação de carne de frango, responsável por 38% das
exportações globais [1], o Brasil enfrenta agora um dos maiores desafios sanitários de
sua história recente, com implicações que transcendem as fronteiras nacionais e afetam
diretamente a economia mundial, os mercados financeiros e a vida de milhões de
pessoas.
A influenza aviária, causada pelo vírus H5N1, não é apenas uma questão veterinária
isolada, mas sim um fenômeno complexo que expõe as vulnerabilidades de um sistema
alimentar globalizado e interconectado. Desde a confirmação do primeiro foco, mais de
42 mercados internacionais impuseram algum tipo de restrição às importações de
produtos avícolas brasileiros, resultando em perdas que já superam os US$ 4 bilhões
anuais em receitas de exportação
Este artigo examina de forma abrangente os múltiplos impactos da febre aviária no
Brasil, analisando não apenas as consequências econômicas imediatas, mas também os
efeitos de longo prazo nos mercados financeiros globais, as implicações para a saúde
pública e os desafios sociais enfrentados pelas comunidades rurais. Através de uma
análise detalhada dos dados mais recentes e das perspectivas de especialistas,
buscamos compreender como este evento sanitário se transformou em um catalisador
de mudanças estruturais no agronegócio brasileiro e mundial.
Panorama Atual da Febre Aviária no Brasil
A Situação Epidemiológica em Junho de 2025
O cenário atual da febre aviária no Brasil apresenta uma complexidade que vai além dos
números oficiais. Segundo os dados mais recentes do Ministério da Agricultura e
Pecuária, atualizados em 6 de junho de 2025, o país registra atualmente 10 casos
suspeitos em investigação e 4 casos confirmados da doença [3]. Esta situação representa
uma evolução significativa desde a detecção do primeiro foco em uma granja comercial,
demonstrando tanto a capacidade de resposta das autoridades sanitárias quanto os
desafios inerentes ao controle de uma doença altamente contagiosa.
Os quatro casos confirmados estão distribuídos estrategicamente pelo território
nacional, revelando um padrão de dispersão que preocupa especialistas. Em
Montenegro, Rio Grande do Sul, o foco original em uma propriedade comercial
permanece em período de vazio sanitário até 18 de junho, uma medida que exemplifica
a seriedade das ações de contenção implementadas. Paralelamente, Sapucaia do Sul,
também no Rio Grande do Sul, registrou casos em aves de zoológico, enquanto Mateus
Leme, em Minas Gerais, e Brasília confirmaram a presença do vírus em aves silvestres
A distribuição geográfica dos casos suspeitos revela uma dispersão ainda mais ampla,
abrangendo estados como Pará, Amazonas, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo e
Rio de Janeiro. Esta distribuição sugere que o vírus pode ter múltiplas rotas de entrada
no território brasileiro, possivelmente através de aves migratórias que servem como
reservatórios naturais do patógeno. A presença de casos tanto em aves de criação
doméstica quanto em aves silvestres indica a complexidade epidemiológica do surto
atual.
Medidas de Contenção e Resposta Institucional
A resposta das autoridades brasileiras ao surto de febre aviária tem sido caracterizada
pela rapidez e pela coordenação entre diferentes níveis de governo. O Plano Nacional de
Sanidade Avícola, com mais de 20 anos de existência, forneceu a base estrutural para as
ações de contenção, demonstrando a importância do planejamento preventivo em
situações de emergência sanitária
A implementação imediata de medidas como o
vazio sanitário, o sacrifício controlado de aves e a restrição de movimentação de
animais e produtos avícolas nas áreas afetadas reflete a maturidade do sistema de
vigilância sanitária brasileiro.
Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), destacou
que "a resposta foi imediata, com atuação conjunta do Ministério da Agricultura,
governo estadual e setor privado", enfatizando que "isso mostra ao mundo que o Brasil
está preparado" . Esta coordenação institucional tem sido fundamental para manter a
confiança dos parceiros comerciais internacionais e demonstrar o comprometimento do
país com os mais altos padrões de segurança sanitária.
O princípio da regionalização sanitária, desenvolvido pelo Brasil nos últimos cinco anos
em parceria com países importadores, tem se mostrado crucial para limitar o impacto
das restrições comerciais. Este conceito permite que as medidas de contenção sejam
aplicadas apenas às áreas efetivamente afetadas, evitando embargos generalizados que
poderiam ter consequências econômicas ainda mais severas. A negociação contínua
com parceiros comerciais para a adoção deste princípio representa um esforço
diplomático significativo para minimizar os danos econômicos.
Comparação com Cenários Internacionais
A situação brasileira ganha perspectiva quando comparada com outros países que
enfrentaram surtos similares. A Polônia, maior produtora de aves da Europa, registrou
1.161 focos de febre aviária apenas entre janeiro e abril de 2025, um número que coloca
em perspectiva a magnitude do desafio enfrentado pelo Brasil [2]. Esta comparação não
apenas relativiza a situação brasileira, mas também demonstra que a febre aviária é, de
fato, "uma realidade global" com a qual todos os países produtores precisam aprender a
conviver.
Nos Estados Unidos, onde a gripe aviária continua sendo um problema persistente, os
impactos econômicos têm sido substanciais. O preço médio da dúzia de ovos chegou ao
patamar recorde de US$ 6,227 em março de 2025, embora tenha posteriormente
diminuído para US$ 5,12 com a redução dos casos [2]. Esta volatilidade de preços ilustra
como surtos de febre aviária podem gerar instabilidade nos mercados de alimentos,
afetando diretamente os consumidores finais.
A experiência internacional também revela que a recuperação dos mercados após surtos
de febre aviária pode ser um processo longo e complexo. A capacidade de um país de
retomar rapidamente suas exportações depende não apenas do controle efetivo da
doença, mas também da manutenção da confiança dos parceiros comerciais
internacionais. Neste contexto, a transparência na comunicação e a eficácia das
medidas de contenção tornam-se fatores determinantes para a recuperação econômia
Impactos Econômicos: Uma Análise Multidimensional
O Setor Avícola Brasileiro em Números
Para compreender a magnitude dos impactos econômicos da febre aviária, é
fundamental contextualizar a importância do setor avícola brasileiro na economia
nacional e global. O Brasil não apenas lidera as exportações mundiais de carne de
frango, mas também representa um pilar fundamental da segurança alimentar global,
com 35% de sua produção nacional destinada ao mercado externo [2]. Esta dependência
do mercado internacional torna o setor particularmente vulnerável a crises sanitárias
que podem resultar em embargos comerciais.
A posição de liderança do Brasil no mercado global de aves é resultado de décadas de
investimento em tecnologia, genética, nutrição e manejo. O país desenvolveu um
modelo de produção integrada que combina eficiência produtiva com competitividade
de custos, permitindo que produtos brasileiros sejam comercializados em mais de 150
países. Esta rede comercial complexa, no entanto, também significa que qualquer
interrupção na produção ou nas exportações tem ramificações globais imediatas.
Os dados de maio de 2025 revelam o impacto imediato da crise sanitária: as exportações
de carne de frango caíram 12,9% em comparação com o mesmo período de 2024,
totalizando 393,4 mil toneladas [3]. Esta redução representa não apenas uma perda de
receita significativa para o Brasil, mas também uma diminuição na oferta global de
proteína animal, com potenciais implicações para a segurança alimentar mundial.
Análise dos Mercados Fechados e Suas Implicações
A resposta internacional ao surto brasileiro de febre aviária foi rápida e abrangente,
resultando em restrições comerciais que afetam diferentes níveis da cadeia produtiva. A
análise detalhada dos 42 mercados que impuseram algum tipo de suspensão revela a
complexidade geopolítica do comércio internacional de alimentos e a importância da
diplomacia sanitária.
Entre os 21 mercados que implementaram suspensão total das exportações brasileiras,
destacam-se a China e a União Europeia, dois dos principais destinos dos produtos
avícolas brasileiros
A China, em particular, representa um mercado estratégico para
produtos específicos como pés de frango, que têm baixo consumo no mercado interno
brasileiro mas alta demanda no mercado chinês. A suspensão deste mercado cria um
desafio logístico significativo, pois estes produtos precisam ser redirecionados para
outros mercados ou absorvidos domesticamente a preços reduzidos.
A União Europeia, por sua vez, representa um mercado de alto valor agregado, onde
produtos brasileiros competem com base na qualidade e na sustentabilidade. A perda
deste mercado não apenas reduz as receitas de exportação, mas também afeta a
imagem do Brasil como fornecedor confiável de alimentos seguros e de alta qualidade. A
recuperação deste mercado pode exigir não apenas o controle da doença, mas também
investimentos adicionais em certificação e rastreabilidade.
Os 17 mercados que restringiram as importações apenas do Rio Grande do Sul
demonstram uma aplicação mais refinada do princípio da regionalização sanitária.
Países como Arábia Saudita, Reino Unido e Rússia reconheceram que o foco da doença
estava geograficamente limitado, evitando embargos generalizados que poderiam ter
impactos econômicos desproporcionais [3]. Esta abordagem mais nuançada reflete a
evolução das práticas de comércio internacional de alimentos e a crescente sofisticação
dos sistemas de vigilância sanitária
Impactos na Cadeia de Valor e Logística
Os efeitos da febre aviária transcendem as perdas diretas de exportação, criando ondas
de impacto que se propagam por toda a cadeia de valor do agronegócio brasileiro.
Wagner Yanaguizawa, analista do Rabobank, projeta que pode haver um pequeno
impacto na oferta doméstica de carne de frango dentro de 40 a 45 dias, prazo
equivalente ao ciclo de abate das aves [2]. Esta previsão reflete a necessidade de tempo
para que os produtores da região afetada reponham seus lotes e retomem a produção
normal.
O redirecionamento de volumes que seriam exportados para o mercado interno ou para
outros mercados não afetados por embargos cria uma dinâmica complexa de
sobreoferta pontual. Esta situação é particularmente evidente em produtos como pés de
frango e galeto, que têm baixa demanda no mercado brasileiro mas são altamente
valorizados em mercados asiáticos e europeus [2]. A absorção destes produtos no
mercado interno a preços reduzidos representa uma perda de valor agregado
significativa para os produtores
As dificuldades logísticas no curto prazo para encontrar mercados alternativos, como o
Oriente Médio, ou formas de absorver a produção domesticamente, criam pressões
adicionais sobre as margens dos produtores. Yanaguizawa explica que as perdas
poderão acontecer em relação aos custos de logística e armazenagem, mas que não
devem comprometer o desempenho geral do setor [2]. Esta avaliação otimista baseia-se
na diversificação da base de clientes brasileira e na capacidade de redirecionamento
para mercados que aceitam o princípio da regionalização.
Perspectivas de Recuperação e Adaptação
A capacidade de recuperação do setor avícola brasileiro depende de múltiplos fatores,
incluindo a eficácia das medidas de contenção, a velocidade de controle da doença e a
manutenção da confiança dos parceiros comerciais internacionais. O relatório do Itaú
BBA sugere que, diante de um cenário de embargo mais prolongado, "apesar das
menores vendas e outros prejuízos, o setor poderia reduzir a produção relativamente
rápido e ajustar as margens"
Esta capacidade de adaptação reflete a maturidade e a flexibilidade do setor avícola
brasileiro, desenvolvidas ao longo de décadas de experiência em mercados voláteis. A
integração vertical característica do modelo brasileiro permite ajustes rápidos na
produção, desde a redução do número de pintos alojados até a modificação dos
cronogramas de abate. Esta flexibilidade operacional é complementada por uma rede
diversificada de mercados que permite o redirecionamento de produtos conforme as
condições comerciais
A experiência brasileira com crises sanitárias anteriores, incluindo surtos de doença de
Newcastle e outras enfermidades avícolas, fornece um arcabouço de conhecimento e
procedimentos que facilita a resposta atual. A indústria desenvolveu protocolos de
biossegurança rigorosos, sistemas de rastreabilidade avançados e capacidades de
comunicação transparente que são fundamentais para manter a confiança dos
mercados internacionais durante períodos de crise.
Reverberações nos Mercados Financeiros Globais
Volatilidade no Setor de Proteínas Animais
A confirmação da febre aviária em território brasileiro desencadeou uma série de
reações nos mercados financeiros que ilustram a interconexão entre eventos sanitários
locais e a estabilidade econômica global. As ações das principais empresas do setor de
proteínas animais listadas na bolsa brasileira experimentaram volatilidade significativa,
refletindo tanto as preocupações imediatas dos investidores quanto as incertezas sobre
os impactos de longo prazo da crise sanitária.
A BRF (BRFS3), uma das maiores empresas de alimentos do mundo, foi particularmente
afetada pelas notícias da febre aviária. As ações da empresa chegaram a recuar 1,99%
no dia da confirmação do surto, antes de se recuperarem e fecharem em alta de 0,78%
[4]. Esta volatilidade intradiária reflete a complexidade da avaliação dos investidores
sobre os impactos potenciais da crise. Por um lado, a suspensão das exportações
representa uma perda de receita significativa; por outro, a capacidade da empresa de
redirecionar produtos para o mercado interno ou outros mercados não afetados pode
mitigar parcialmente esses impactos
A Marfrig (MRFG3), que possui 50% da BRF e está prestes a se tornar controladora da
empresa, apresentou um comportamento aparentemente contraditório, encerrando o
pregão em alta de 21,36% [4]. Esta valorização, no entanto, estava mais relacionada à
repercussão sobre a incorporação da BRF do que aos impactos diretos da febre aviária,
demonstrando como múltiplos fatores podem influenciar simultaneamente o
desempenho das ações em períodos de incerteza.
Análise Setorial e Perspectivas dos Analistas
A JBS (JBSS3), gigante global do setor de alimentos, demonstrou maior resistência aos
impactos da crise, terminando a sessão com avanço de 0,71% [4]. Esta performance
relativamente estável reflete a diversificação geográfica e de produtos da empresa, que
possui apenas cerca de 10% de seu resultado global proveniente das vendas no Brasil
através da marca Seara. Esta diversificação ilustra como a escala e a distribuição
geográfica podem servir como fatores de proteção contra choques setoriais específicos.
Rodrigo Brolo, analista da AAX Investimentos, oferece uma perspectiva otimista sobre a
capacidade de recuperação do setor, afirmando que "acredito que o impacto seja
provisório. O Brasil tem capacidade para enfrentar esse cenário porque tem protocolos
rígidos para a sanidade animal" [4]. Esta avaliação baseia-se na experiência histórica do
Brasil em lidar com crises sanitárias e na robustez dos sistemas de vigilância e controle
desenvolvidos ao longo das últimas décadas.
Por outro lado, Arthur Horta, analista da GTF Capital, apresenta uma visão mais
cautelosa, alertando para a possibilidade de abate em massa de frangos nas granjas da
região afetada devido à natureza contagiosa da doença [4]. Esta perspectiva mais
conservadora reflete as incertezas inerentes à evolução de surtos de doenças altamente
transmissíveis e a dificuldade de prever com precisão a extensão dos impactos
econômicos.
Impactos nos Mercados de Commodities
Os mercados de commodities agrícolas reagiram de forma diferenciada à crise da febre
aviária, refletindo as complexas interações entre oferta, demanda e expectativas de
preços em um mercado globalizado. O contrato futuro do boi gordo para outubro de
2025, que chegou a cair 1,5% na sexta-feira após a confirmação do foco, recuperou-se no
dia seguinte com alta de 2,3%, indicando otimismo moderado do mercado [2]. Esta
recuperação sugere que os investidores percebem a crise da febre aviária como um
evento temporário que pode até beneficiar outros segmentos de proteína animal.
No caso do frango congelado, o preço oscilou próximo à estabilidade, com queda de
apenas 0,23% no mês [2]. Esta estabilidade relativa pode refletir tanto a capacidade de
absorção do mercado interno quanto as expectativas de que as medidas de contenção
serão eficazes em controlar a disseminação da doença. A manutenção de preços
estáveis também sugere que os mercados não antecipam escassez significativa de
produtos avícolas no curto prazo.
Efeitos Cambiais e Macroeconômicos
A crise da febre aviária também tem implicações para a balança comercial brasileira e,
consequentemente, para a taxa de câmbio. Com exportações anuais de produtos
avícolas superiores a US$ 10 bilhões, qualquer redução significativa nestes volumes
pode afetar o fluxo de divisas para o país. A perda de mercados responsáveis por mais de
US$ 4 bilhões em receitas anuais representa uma pressão considerável sobre a conta
corrente brasileira
Esta pressão sobre a balança comercial pode ter efeitos secundários sobre a política
monetária e fiscal do país. A redução das receitas de exportação pode exigir ajustes nas
projeções de crescimento econômico e influenciar as decisões do Banco Central sobre a
política de juros. Além disso, a necessidade de apoio governamental ao setor afetado
pode impactar as contas públicas, criando tensões adicionais em um contexto fiscal já
desafiador.
A experiência internacional sugere que os impactos cambiais de crises sanitárias no
agronegócio podem ser significativos, especialmente para países com alta dependência
de exportações agrícolas. No caso brasileiro, a diversificação da pauta exportadora pode
ajudar a mitigar esses impactos, mas a importância do setor avícola na geração de
divisas torna inevitável algum grau de pressão sobre a moeda nacional
Perspectivas de Investimento e Estratégias Setoriais
A crise da febre aviária está forçando uma reavaliação das estratégias de investimento
no setor de proteínas animais, com implicações que transcendem o curto prazo.
Investidores institucionais estão reconsiderando a importância da diversificação
geográfica e de produtos como fatores de mitigação de riscos em suas carteiras de
agronegócio. Esta reavaliação pode resultar em uma valorização diferenciada de
empresas com maior diversificação em relação àquelas mais concentradas no mercado
brasileiro.
A necessidade de investimentos adicionais em biossegurança e sistemas de vigilância
sanitária também está criando oportunidades de investimento em tecnologias
relacionadas. Empresas especializadas em equipamentos de desinfecção, sistemas de
monitoramento sanitário e tecnologias de rastreabilidade podem se beneficiar do
aumento da demanda por soluções que reduzam os riscos de surtos futuros.
A experiência atual também está acelerando discussões sobre a necessidade de seguros
específicos para riscos sanitários no agronegócio. O desenvolvimento de produtos de
seguro mais sofisticados, que cubram não apenas as perdas diretas de produção mas
também os impactos de embargos comerciais, pode se tornar uma área de crescimento
significativo no setor de seguros agrícolas.
Impactos na Saúde Pública e Vigilância Sanitária
Avaliação dos Riscos para a Saúde Humana
A febre aviária representa um desafio complexo para a saúde pública que vai além das
preocupações econômicas imediatas. Embora o risco de transmissão para seres
humanos seja considerado baixo pelas autoridades sanitárias, a natureza zoonótica do
vírus H5N1 exige vigilância constante e medidas preventivas rigorosas. A Organização
Mundial da Saúde (OMS) tem enfatizado que, embora seja baixo o risco de infecção em
humanos, as autoridades de saúde devem estar alertas em relação à possibilidade de
ocorrência de influenza aviária em pessoas .
Os dados globais sobre infecções humanas por febre aviária revelam a seriedade
potencial da doença quando ocorre transmissão entre espécies. Em aproximadamente
duas décadas, o vírus infectou cerca de 950 pessoas mundialmente, causando a morte
de aproximadamente 460 indivíduos [5]. Esta taxa de letalidade de cerca de 50% entre
os casos confirmados demonstra a gravidade da doença quando afeta seres humanos,
justificando as preocupações das autoridades de saúde pública.
A contaminação humana pela febre aviária está restrita principalmente a pessoas que
têm contato direto com aves infectadas, vivas ou mortas, como tratadores, veterinários e
profissionais do setor avícola [5]. Esta limitação oferece algum alívio em termos de
saúde pública, mas também destaca a importância de proteger adequadamente os
trabalhadores que estão na linha de frente do controle da doença. O uso de
equipamentos de proteção individual adequados e a implementação de protocolos
rigorosos de biossegurança são fundamentais para prevenir a transmissão ocupacional.
Preocupações com Mutações Virais e Transmissão Sustentada
Uma das principais preocupações das autoridades de saúde global é o potencial de
mutação do vírus H5N1 que poderia facilitar a transmissão entre humanos. Tedros
Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, alertou que "cada transmissão entre
animais para outros, ou para seres humanos, é uma oportunidade para que o vírus sofra
mutações ou se combine com outros vírus da gripe" [5]. Esta preocupação é
fundamentada na capacidade conhecida dos vírus influenza de sofrer recombinação
genética e adaptação a novos hospedeiros.
O aumento no número de casos globais de febre aviária em 2024, que atingiu 81 casos -
o maior número desde 2015 - indica uma tendência preocupante que requer
monitoramento intensivo [5]. Os Estados Unidos registraram 66 infecções, enquanto
outros países como Camboja, Vietnã, Austrália, China e Canadá reportaram casos
adicionais. Esta distribuição geográfica ampla sugere que o vírus está circulando
ativamente em populações aviárias globais, aumentando as oportunidades de contato
com humanos.
As primeiras semanas de 2025 já registraram casos letais nos Estados Unidos e no
Camboja, demonstrando que a ameaça permanece ativa e requer vigilância contínua [5].
A detecção de fragmentos do vírus em amostras de leite cru nos Estados Unidos, onde a
febre aviária foi registrada pela primeira vez em vacas leiteiras, ilustra a capacidade do
vírus de infectar diferentes espécies de mamíferos, potencialmente facilitando sua
adaptação a hospedeiros humanos.
Segurança Alimentar e Recomendações de Consumo
No que se refere à segurança alimentar, as evidências científicas atuais indicam que não
há risco de contaminação humana através do consumo de ovos crus ou produtos
contendo carne de aves infectadas, desde que adequadamente processados [5]. No
entanto, foi comprovado que ovos de animais infectados podem conter o vírus tanto na
casca quanto na clara e na gema, justificando as recomendações de precaução emitidas
pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.
O CDC recomenda que as pessoas cozinhem completamente a carne de frango e os ovos
antes de consumi-los, uma medida preventiva que elimina efetivamente qualquer risco
potencial de transmissão através de alimentos [5]. Esta recomendação é
particularmente importante considerando que o consumo de produtos originários de
aves, como sangue, pode ter sido a origem de alguns casos de contaminação por gripe
aviária entre seres humanos no Sudeste Asiático.
A implementação de sistemas rigorosos de rastreabilidade e controle de qualidade na
cadeia alimentar torna-se ainda mais crítica durante surtos de febre aviária. A
capacidade de identificar rapidamente a origem de produtos avícolas e implementar
recalls quando necessário é fundamental para manter a confiança dos consumidores e
prevenir potenciais exposições. O Brasil tem investido significativamente em sistemas
de rastreabilidade que permitem o acompanhamento de produtos desde a granja até o
consumidor final
Fortalecimento dos Sistemas de Vigilância
A resposta à crise da febre aviária tem destacado a importância de sistemas de vigilância
sanitária robustos e integrados. A OMS tem pedido a todos os países que fortaleçam sua
biossegurança em granjas, mediante testes e vigilância, oferecendo equipamentos de
proteção aos trabalhadores em risco [5]. Esta recomendação reflete o reconhecimento
de que a prevenção de surtos futuros depende de investimentos contínuos em
capacidades de detecção precoce e resposta rápida.
O sistema brasileiro de vigilância sanitária, desenvolvido ao longo de mais de duas
décadas através do Plano Nacional de Sanidade Avícola, tem demonstrado sua eficácia
na detecção e resposta rápida ao surto atual. A capacidade de identificar casos
suspeitos, implementar medidas de contenção e comunicar transparentemente com
parceiros internacionais reflete a maturidade do sistema nacional de saúde animal.
A integração entre vigilância animal e humana torna-se cada vez mais importante à
medida que aumenta o reconhecimento das interconexões entre saúde animal, humana
e ambiental. O conceito de "Uma Saúde" (One Health) está sendo aplicado de forma
mais sistemática na resposta à febre aviária, reconhecendo que a prevenção eficaz de
zoonoses requer colaboração interdisciplinar entre veterinários, médicos,
epidemiologistas e especialistas em saúde ambiental
Preparação para Cenários Futuros
A experiência atual com a febre aviária está informando o desenvolvimento de planos de
contingência mais robustos para futuras emergências sanitárias. A necessidade de
manter estoques estratégicos de equipamentos de proteção individual, medicamentos
antivirais e vacinas está sendo reavaliada à luz das lições aprendidas durante a
pandemia de COVID-19 e o surto atual de febre aviária.
O desenvolvimento de capacidades de diagnóstico rápido e descentralizado é outra área
de foco para o fortalecimento da preparação sanitária. A capacidade de confirmar ou
descartar casos suspeitos rapidamente é fundamental para implementar medidas de
contenção eficazes e evitar restrições comerciais desnecessárias. Investimentos em
laboratórios regionais e tecnologias de diagnóstico portátil podem significativamente
melhorar os tempos de resposta em futuras emergências.
A comunicação de risco também emergiu como um componente crítico da resposta à
febre aviária. A capacidade de comunicar de forma clara e transparente sobre os riscos
reais, as medidas de prevenção e as ações de controle é fundamental para manter a
confiança pública e evitar pânico desnecessário. O desenvolvimento de estratégias decomunicação baseadas em evidências e adaptadas a diferentes audiências é uma área
de investimento prioritário para futuras emergências sanitárias
Consequências Sociais e Impactos nas Comunidades
Rurais
Vulnerabilidades das Comunidades Produtoras
A crise da febre aviária tem revelado e amplificado vulnerabilidades estruturais nas
comunidades rurais brasileiras, particularmente aquelas dependentes da avicultura
como principal fonte de renda. O impacto social da doença transcende as perdas
econômicas diretas, criando ondas de consequências que afetam o tecido social das
regiões produtoras.
O desemprego e a redução da renda nas comunidades rurais
emergem como consequências imediatas da crise, afetando diretamente a qualidade de
vida das famílias produtoras [6].
A estrutura da avicultura brasileira, caracterizada por um sistema de integração que
conecta grandes empresas processadoras a milhares de pequenos e médios produtores
rurais, significa que os impactos da febre aviária se espalham rapidamente através de
redes sociais e econômicas complexas. Quando uma granja é afetada e precisa
implementar medidas de vazio sanitário, não apenas o produtor direto sofre perdas,
mas toda uma cadeia de fornecedores de insumos, prestadores de serviços e
trabalhadores temporários é afetada.
A pressão sobre pequenos e médios produtores é particularmente intensa devido ao
aumento dos custos associados às medidas de biossegurança, vacinas, medicamentos e
protocolos de controle [6]. Estes produtores, que frequentemente operam com margens
apertadas, podem enfrentar dificuldades significativas para absorver estes custos
adicionais, potencialmente levando a situações de endividamento ou mesmo à saída do
setor. Esta dinâmica pode resultar em uma concentração ainda maior da produção
avícola em grandes empresas, alterando a estrutura social das comunidades rurais.
Impactos Psicossociais e Comunitários
Além dos impactos econômicos diretos, a febre aviária gera consequências psicossociais
significativas nas comunidades afetadas. A incerteza sobre a duração da crise, a
possibilidade de novos surtos e as perspectivas de recuperação econômica criam um
ambiente de estresse e ansiedade que afeta não apenas os produtores diretos, mas suas
famílias e comunidades. O estigma associado a propriedades que foram afetadas pela
doença pode persistir mesmo após o controle do surto, afetando as relações comerciais
e sociais de longo prazo.
A necessidade de implementar medidas rigorosas de biossegurança também altera
fundamentalmente as práticas sociais e culturais das comunidades rurais. Tradições
como visitas entre propriedades, feiras de animais e eventos comunitários podem ser
suspensas ou significativamente modificadas, impactando a coesão social e as redes de
apoio comunitário. Estas mudanças podem ser particularmente desafiadoras para
comunidades onde a avicultura não é apenas uma atividade econômica, mas também
um elemento central da identidade cultural.
O isolamento social resultante das medidas de contenção pode exacerbar problemas de
saúde mental existentes nas comunidades rurais, onde o acesso a serviços de apoio
psicológico já é frequentemente limitado. A combinação de estresse econômico,
incerteza sobre o futuro e isolamento social cria um ambiente propício para o
desenvolvimento de problemas como depressão e ansiedade, que podem ter efeitos
duradouros mesmo após a resolução da crise sanitária
Desafios para a Segurança Alimentar Local
A crise da febre aviária também tem implicações para a segurança alimentar local,
particularmente em comunidades onde a avicultura de subsistência desempenha um
papel importante na dieta familiar. A necessidade de sacrificar aves domésticas como
medida preventiva pode privar famílias de uma fonte importante de proteína animal,
especialmente aquelas com recursos limitados para adquirir proteínas alternativas no
mercado.
A instabilidade no mercado interno, com oscilações de preços e desabastecimento
temporário, afeta desproporcionalmente as famílias de baixa renda, que destinam uma
parcela maior de sua renda à alimentação [6]. O aumento dos preços de produtos
avícolas, mesmo que temporário, pode forçar estas famílias a buscar alternativas
alimentares menos nutritivas ou reduzir o consumo geral de proteínas, com potenciais
impactos na saúde nutricional.
A interrupção das cadeias logísticas também pode afetar o abastecimento de alimentos
em comunidades rurais mais isoladas, onde a distribuição de produtos alimentares já
enfrenta desafios logísticos significativos. A necessidade de implementar controles
sanitários adicionais no transporte de produtos avícolas pode resultar em atrasos ou
interrupções no abastecimento, exacerbando problemas de acesso a alimentos em
áreas remotas
Adaptações e Resiliência Comunitária
Apesar dos desafios significativos, as comunidades rurais brasileiras têm demonstrado
capacidade de adaptação e resiliência diante da crise da febre aviária. Muitas
comunidades estão desenvolvendo estratégias coletivas para enfrentar os desafios,
incluindo a formação de cooperativas para compartilhar custos de biossegurança, a
diversificação de atividades produtivas e o fortalecimento de redes de apoio mútuo.
A experiência com crises anteriores, incluindo secas, enchentes e outras emergências
sanitárias, forneceu às comunidades rurais um repertório de estratégias de
enfrentamento que estão sendo adaptadas para a situação atual. Estas estratégias
incluem a diversificação de fontes de renda, o fortalecimento de sistemas de produção
de alimentos para autoconsumo e o desenvolvimento de redes de solidariedade
comunitária.
O papel das organizações comunitárias, incluindo sindicatos rurais, cooperativas e
associações de produtores, tem sido fundamental para coordenar respostas coletivas à
crise. Estas organizações estão servindo como canais de comunicação entre produtores
e autoridades, facilitando o acesso a informações sobre medidas de prevenção e
controle, e organizando apoio mútuo entre membros da comunidade.
Perspectivas de Recuperação Social
A recuperação social das comunidades afetadas pela febre aviária dependerá não
apenas do controle da doença e da retomada das atividades econômicas, mas também
de investimentos específicos em apoio social e desenvolvimento comunitário.
Programas de apoio psicossocial, acesso a crédito para recuperação produtiva e
investimentos em infraestrutura rural serão fundamentais para facilitar a recuperação
das comunidades.
A experiência atual também está destacando a importância de desenvolver sistemas de
proteção social mais robustos para comunidades rurais, incluindo seguros agrícolas que
cubram riscos sanitários e programas de transferência de renda que possam ser
rapidamente ativados durante emergências. O desenvolvimento de tais sistemas pode
aumentar significativamente a resiliência das comunidades rurais a futuras crises.
A necessidade de fortalecer a capacidade de resposta local a emergências sanitárias
também está sendo reconhecida como uma prioridade. Investimentos em treinamento
de lideranças comunitárias, desenvolvimento de planos de contingência locais e
fortalecimento de sistemas de comunicação de emergência podem melhorar
significativamente a capacidade das comunidades de responder efetivamente a futuras
crises.
Impactos Ambientais e Sustentabilidade
Consequências Ambientais do Manejo de Emergência
A resposta à crise da febre aviária tem gerado impactos ambientais significativos que
requerem atenção cuidadosa para evitar danos ecológicos de longo prazo. O manejo
incorreto dos resíduos provenientes do abate sanitário representa um dos principais
desafios ambientais da crise atual [6]. O sacrifício em massa de aves infectadas ou
potencialmente expostas gera grandes volumes de material biológico que deve ser
adequadamente processado para evitar a contaminação ambiental e a propagação da
doença.
A utilização excessiva de produtos químicos para desinfecção, embora necessária para
controlar a disseminação do vírus, pode causar danos aos ecossistemas locais, incluindo
contaminação da fauna, flora, solo e recursos hídricos [6]. Desinfetantes à base de cloro,
formaldeído e outros compostos químicos, quando aplicados em grandes quantidades,
podem afetar a microbiota do solo, contaminar corpos d'água e impactar negativamente
a biodiversidade local.
A necessidade de implementar medidas de biossegurança rigorosas também tem
implicações para o uso de recursos naturais. O aumento no consumo de água para
limpeza e desinfecção, a necessidade de energia adicional para sistemas de ventilação e
aquecimento em instalações de quarentena, e o uso intensivo de materiais descartáveis
para equipamentos de proteção individual contribuem para uma pegada ambiental
ampliada durante períodos de crise sanitária.
Gestão Sustentável de Resíduos Biológicos
O desenvolvimento de protocolos sustentáveis para o manejo de resíduos biológicos
emergiu como uma prioridade crítica durante a crise da febre aviária. Métodos
tradicionais de disposição, como enterramento ou incineração, podem não ser
adequados para grandes volumes de material biológico e podem gerar impactos
ambientais significativos. A compostagem controlada, quando adequadamente
implementada, oferece uma alternativa mais sustentável que pode transformar resíduos
biológicos em produtos úteis enquanto minimiza riscos ambientais.
A implementação de sistemas de tratamento térmico para resíduos biológicos está
sendo explorada como uma alternativa que combina eficácia sanitária com
sustentabilidade ambiental. Estes sistemas podem inativar patógenos enquanto
produzem subprodutos que podem ser utilizados como fertilizantes ou fontes de
energia, criando um ciclo mais sustentável de gestão de resíduos.
A necessidade de monitoramento ambiental contínuo durante e após surtos de febre
aviária está sendo reconhecida como fundamental para avaliar e mitigar impactos
ambientais. Programas de monitoramento da qualidade da água, solo e ar em áreas
afetadas podem identificar precocemente problemas ambientais e orientar ações
corretivas antes que danos significativos ocorram.
Biodiversidade e Conservação
A febre aviária tem implicações complexas para a conservação da biodiversidade,
particularmente em relação às populações de aves silvestres que servem como
reservatórios naturais do vírus. A detecção da doença em aves silvestres em locais como
Mateus Leme e Brasília destaca a interface crítica entre sistemas de produção animal e
ecossistemas naturais [3]. Esta interface requer manejo cuidadoso para equilibrar a
necessidade de controlar a doença com a conservação da biodiversidade.
As medidas de controle da febre aviária podem ter impactos não intencionais sobre
populações de aves silvestres, especialmente quando envolvem a modificação de
habitats ou a implementação de barreiras físicas para prevenir o contato entre aves
domésticas e silvestres. O desenvolvimento de estratégias de conservação que
considerem tanto a necessidade de controle sanitário quanto a proteção da
biodiversidade é fundamental para evitar consequências ecológicas negativas.
A pesquisa sobre a ecologia da febre aviária em populações de aves silvestres está se
tornando cada vez mais importante para compreender os padrões de transmissão e
desenvolver estratégias de controle mais eficazes. Esta pesquisa pode informar o
desenvolvimento de sistemas de vigilância que monitorem tanto a saúde das
populações silvestres quanto os riscos de transmissão para sistemas de produção
animal
Mudanças Climáticas e Riscos Emergentes
A relação entre mudanças climáticas e a emergência de doenças como a febre aviária
está sendo cada vez mais reconhecida como um fator importante na avaliação de riscos
futuros. Alterações nos padrões de migração de aves, mudanças na distribuição de
espécies e modificações nos ecossistemas podem influenciar a dinâmica de transmissão
de patógenos aviários.
O aquecimento global pode alterar as rotas migratórias tradicionais de aves aquáticas,
potencialmente introduzindo patógenos em novas regiões ou alterando os padrões
sazonais de risco de transmissão. Estas mudanças requerem adaptações nos sistemas
de vigilância e controle para manter a eficácia das medidas preventivas.
A necessidade de desenvolver sistemas de produção animal mais resilientes às
mudanças climáticas está sendo destacada pela crise atual. Sistemas que combinam
produtividade com sustentabilidade ambiental e resistência a choques climáticos
podem oferecer maior segurança contra futuras emergências sanitárias.
Oportunidades para Inovação Sustentável
A crise da febre aviária está catalisando inovações em tecnologias e práticas
sustentáveis para o setor avícola. O desenvolvimento de sistemas de produção que
integram princípios de economia circular, onde resíduos de uma atividade se tornam
insumos para outra, está ganhando atenção como uma forma de aumentar a
sustentabilidade e a resiliência do setor.
Tecnologias de monitoramento remoto e inteligência artificial estão sendo
desenvolvidas para detectar precocemente sinais de doenças em populações aviárias,
potencialmente reduzindo a necessidade de medidas de controle mais drásticas. Estas
tecnologias podem também contribuir para a otimização do uso de recursos e a redução
de impactos ambientais.
A integração de sistemas de produção animal com sistemas de energia renovável está
sendo explorada como uma forma de reduzir a pegada de carbono do setor enquanto
aumenta sua resiliência energética. Sistemas que combinam produção avícola com
geração de energia solar ou biogás podem oferecer benefícios tanto econômicos quanto
ambientais.
Lições Aprendidas e Perspectivas Futuras
Fortalecimento dos Sistemas de Preparação
A experiência brasileira com a febre aviária está gerando lições valiosas que podem
informar o desenvolvimento de sistemas de preparação mais robustos para futuras
emergências sanitárias. A rapidez da resposta institucional, coordenada entre o
Ministério da Agricultura, governos estaduais e setor privado, demonstrou a importância
de ter planos de contingência bem desenvolvidos e testados regularmente. Esta
coordenação eficaz não apenas minimizou os impactos imediatos da crise, mas também
manteve a confiança dos parceiros comerciais internacionais na capacidade brasileira
de gerenciar emergências sanitárias.
A implementação bem-sucedida do princípio da regionalização sanitária emergiu como
uma das principais conquistas da resposta brasileira. A capacidade de limitar restrições
comerciais às áreas efetivamente afetadas, em vez de enfrentar embargos
generalizados, demonstra o valor de investimentos de longo prazo em diplomacia
sanitária e desenvolvimento de protocolos internacionais. Esta experiência pode servir
como modelo para outros países que buscam desenvolver estratégias similares de
mitigação de riscos comerciais durante emergências sanitárias.
A importância da transparência e comunicação eficaz também se destacou como um
fator crítico para o sucesso da resposta. A capacidade de comunicar rapidamente e de
forma transparente sobre a detecção de casos, as medidas de controle implementadas e
os progressos na contenção da doença foi fundamental para manter a confiança dos
mercados e facilitar a cooperação internacional. Esta experiência reforça a necessidade
de investir em capacidades de comunicação de crise como parte integral dos sistemas
de preparação sanitária.
Inovações Tecnológicas e Metodológicas
A crise da febre aviária está acelerando a adoção de tecnologias inovadoras no setor
avícola brasileiro. Sistemas de monitoramento remoto baseados em sensores IoT
(Internet das Coisas) estão sendo implementados para detectar precocemente sinais de
doenças em populações aviárias, permitindo respostas mais rápidas e direcionadas.
Estas tecnologias podem reduzir significativamente o tempo entre a detecção de casos
suspeitos e a implementação de medidas de controle, minimizando a propagação da
doença.
O desenvolvimento de plataformas digitais integradas para gestão de informações
sanitárias está revolucionando a capacidade de rastreamento e resposta a emergências.
A plataforma do Ministério da Agricultura, que fornece atualizações em tempo real sobre
casos suspeitos e confirmados, exemplifica como a tecnologia pode melhorar a
transparência e facilitar a tomada de decisões baseada em dados. A expansão destas
capacidades para incluir análise preditiva e modelagem de cenários pode ainda mais
fortalecer a preparação para futuras crises.
A aplicação de inteligência artificial e aprendizado de máquina na análise de padrões
epidemiológicos está emergindo como uma ferramenta poderosa para a prevenção e
controle de doenças aviárias. Algoritmos que podem analisar grandes volumes de dados
sobre movimentação de animais, condições climáticas, padrões de migração de aves
silvestres e outros fatores de risco podem identificar áreas de alto risco e orientar a
alocação de recursos de vigilância.
Transformações Estruturais no Setor
A experiência com a febre aviária está catalisando transformações estruturais no setor
avícola brasileiro que podem ter implicações duradouras para sua competitividade e
sustentabilidade. O aumento dos investimentos em biossegurança está levando a uma
modernização significativa das instalações de produção, com a implementação de
tecnologias mais avançadas de controle ambiental, sistemas de desinfecção
automatizados e protocolos de manejo mais rigorosos.
A crescente ênfase na rastreabilidade e transparência está impulsionando o
desenvolvimento de sistemas mais sofisticados de gestão da cadeia de suprimentos. A
capacidade de rastrear produtos desde a granja até o consumidor final não apenas
facilita a resposta a emergências sanitárias, mas também atende às crescentes
demandas dos consumidores por transparência sobre a origem e qualidade dos
alimentos.
A diversificação geográfica da produção está sendo reconhecida como uma estratégia
importante para reduzir riscos sistêmicos. Empresas estão explorando oportunidades de
expandir operações para diferentes regiões do país e até mesmo para outros países,
reduzindo a concentração de riscos e aumentando a resiliência a choques localizados.
Cooperação Internacional e Governança Global
A crise da febre aviária está destacando a necessidade de fortalecer mecanismos de
cooperação internacional para o controle de doenças transfronteiriças. A natureza
global dos mercados de alimentos e a capacidade de patógenos de se espalharem
rapidamente através de fronteiras nacionais requerem respostas coordenadas que
transcendem jurisdições nacionais.
O desenvolvimento de padrões internacionais harmonizados para vigilância, controle e
comércio de produtos animais está ganhando urgência. A experiência brasileira com a
implementação do princípio da regionalização sanitária pode informar o
desenvolvimento de protocolos internacionais mais nuançados que equilibrem a
necessidade de controle sanitário com a manutenção do comércio internacional.
A necessidade de fortalecer as capacidades de países em desenvolvimento para
responder a emergências sanitárias também está sendo reconhecida como uma
prioridade global. Programas de cooperação técnica que compartilhem conhecimentos,
tecnologias e recursos podem aumentar significativamente a capacidade global de
prevenir e controlar surtos de doenças animais.
Sustentabilidade e Resiliência de Longo Prazo
A experiência atual está informando uma reavaliação fundamental dos modelos de
produção animal em termos de sustentabilidade e resiliência. A necessidade de
equilibrar eficiência produtiva com robustez sanitária está levando ao desenvolvimento
de sistemas de produção mais diversificados e menos intensivos, que podem ser mais
resilientes a choques sanitários.
A integração de considerações ambientais e sociais no planejamento de sistemas de
produção animal está ganhando importância. Sistemas que consideram impactos sobre
biodiversidade, qualidade da água, emissões de gases de efeito estufa e bem-estar das
comunidades rurais podem oferecer maior sustentabilidade de longo prazo.
O desenvolvimento de indicadores de resiliência para sistemas de produção animal está
emergindo como uma área importante de pesquisa e desenvolvimento. Estes
indicadores podem ajudar produtores e formuladores de políticas a avaliar e melhorar a
capacidade de sistemas de produção de resistir e se recuperar de choques diversos,
incluindo emergências sanitárias, eventos climáticos extremos e volatilidade de
mercados
Conclusões e Recomendações
A crise da febre aviária no Brasil representa muito mais do que um desafio sanitário
isolado; ela constitui um teste abrangente da resiliência e adaptabilidade de um dos
setores mais importantes do agronegócio mundial. A análise detalhada dos múltiplos
impactos desta crise revela a complexa interconexão entre saúde animal, economia
global, mercados financeiros, saúde pública e bem-estar social.
Os impactos econômicos, com perdas superiores a US$ 4 bilhões em receitas de
exportação e a suspensão de mercados em 42 países, demonstram a vulnerabilidade de
sistemas alimentares globalizados a choques sanitários localizados. No entanto, a
capacidade de resposta demonstrada pelo Brasil, com a implementação rápida de
medidas de contenção e a manutenção de canais de comunicação transparentes com
parceiros internacionais, oferece lições valiosas sobre como mitigar tais impactos.
A volatilidade observada nos mercados financeiros, com oscilações significativas nas
ações de empresas do setor, ilustra como eventos sanitários podem gerar incertezas que
transcendem o setor diretamente afetado. A recuperação relativamente rápida de alguns
indicadores sugere que mercados maduros podem absorver choques temporários,
especialmente quando há confiança na capacidade de resposta das autoridades.
Do ponto de vista da saúde pública, embora o risco atual de transmissão para humanos
permaneça baixo, a experiência reforça a importância de manter vigilância constante e
investir em sistemas de preparação para cenários de maior gravidade. A preocupação
com potenciais mutações virais que poderiam facilitar a transmissão entre humanos
destaca a necessidade de uma abordagem de "Uma Saúde" que integre vigilância
animal e humanas
Os impactos sociais nas comunidades rurais, frequentemente negligenciados em
análises econômicas convencionais, revelam dimensões humanas profundas da crise. O
desemprego, a redução de renda e os efeitos psicossociais sobre famílias produtoras
demonstram que a recuperação completa requer não apenas o controle da doença, mas
também investimentos em apoio social e desenvolvimento comunitário.
Recomendações Estratégicas
Com base na análise abrangente apresentada, emergem várias recomendações
estratégicas para fortalecer a resiliência do setor avícola brasileiro e global
Fortalecimento da Preparação Sanitária:
Investimentos contínuos em sistemas de
vigilância, capacidades de diagnóstico rápido e protocolos de resposta a emergências
são fundamentais. A experiência atual demonstra que a preparação prévia é muito mais
eficaz e econômica do que respostas reativas.
Diversificação de Mercados e Produtos:
A dependência excessiva de mercados
específicos aumenta a vulnerabilidade a embargos comerciais. Estratégias de
diversificação geográfica e de produtos podem reduzir significativamente os riscos
sistêmicos.
Inovação Tecnológica
A adoção de tecnologias avançadas de monitoramento,
diagnóstico e gestão pode melhorar significativamente a capacidade de detecção
precoce e resposta rápida a emergências sanitárias
Cooperação Internacional:
O fortalecimento de mecanismos de cooperação
internacional, incluindo o desenvolvimento de padrões harmonizados e programas de
assistência técnica, é essencial para enfrentar desafios que transcendem fronteiras nacionais
Sustentabilidade Integrada:
O desenvolvimento de sistemas de produção que
integrem considerações econômicas, ambientais e sociais pode aumentar a resiliência
de longo prazo do setor.
A febre aviária no Brasil, embora represente um desafio significativo, também oferece
uma oportunidade única para fortalecer sistemas, desenvolver capacidades e construir
resiliência para o futuro. As lições aprendidas desta experiência podem informar não
apenas a preparação para futuras emergências sanitárias, mas também contribuir para o
desenvolvimento de sistemas alimentares mais sustentáveis e resilientes globalmente.
A capacidade demonstrada pelo Brasil de responder eficazmente a esta crise, mantendo
ao mesmo tempo a transparência e a cooperação internacional, reforça sua posição
como líder global no setor de proteínas animais. No entanto, a experiência também
destaca que a liderança em mercados globalizados requer vigilância constante,
investimento contínuo em capacidades e compromisso com os mais altos padrões de
excelência sanitária.
Referências
[1] Bloomberg Línea. "Gripe aviária desafia o agro brasileiro e coloca em risco mercado
de US$ 4 bilhões." 22 de maio de 2025. https://www.bloomberglinea.com.br/agro/gripeaviaria-desafia-o-agro-brasileiro-e-coloca-em-risco-mercado-de-us-4-bilhoes/
[2] Bloomberg Línea. "Gripe aviária desafia o agro brasileiro e coloca em risco mercado
de US$ 4 bilhões." 22 de maio de 2025.
https://www.bloomberglinea.com.br/agro/gripeaviaria-desafia-o-agro-brasileiro-e-coloca-em-risco-mercado-de-us-4-bilhoes/
[3] Poder360. "Brasil tem 10 suspeitas de gripe aviária; há 4 casos confirmados." 6 de
junho de 2025. https://www.poder360.com.br/poder-agro/brasil-tem-10-suspeitas-degripe-aviaria-ha-4-casos-confirmados/
[4] Estadão E-Investidor. "Gripe aviária suspende exportações de frango para a China:
como fecharam as ações do setor no Ibov?" 16 de maio de 2025. https://
einvestidor.estadao.com.br/mercado/gripe-aviaria-acoes-marfrig-mrfg3-brf-jbs-saoafetadas/
[5] G1. "Qual é o risco da gripe aviária para a saúde humana?" 16 de maio de 2025.
https://g1.globo.com/saude/noticia/2025/05/16/gripe-aviaria-riscos-saudehumana.ghtml
[6] Agropec Futuro. "Mercado em Alerta: Efeitos da Gripe Aviária no Agronegócio." 18 de
maio de 2025. https://agropecfuturo.com.br/gripe-aviaria-impactos-prevencaodesafios/