o conservador.

A sombra de Kronos

Quem é o conservador?

A despeito da extensa caracterização desse tipo social, em síntese é uma pessoa que não aceita as novidades em hábitos, pensamentos, recursos sociais, tecnologia, relacionamentos afetivos, meios de produção. 

O conservador não apenas reage contrariamente às mudanças como também as combate. 
Trata-se exatamente do mito de Kronos, geralmente associado ao tempo, embora Junito Brandão afirme que originariamente, a etimologia de Kronos não é a mesa de “cronologia”.

Mas, vejamos: Kronos, filho de Uranos e Gea, foi aquele que, edipicamente  com o perdão do anacronismo, destronou o pai com violência, por nítida inveja do amor de seus genitores.

 Inevitavelmente, a mesma tragédia viria a recair sobre ele, posto que foi seu filho Zeus que o atacou e assumiu o poder. 
Este, por sua vez, soube negociar o poder e zelar por seus filhos, tal como Freud descreveu que o pai primevo não teria sobrevida, em Totem e Tabu. 

Zeus soube pôr fim à matança dos pais.

O que vemos na manifestação da sombra de Kronos, já associado ao domínio do tempo, é que ele queria destruir seus filhos, evitar que eles dessem sequência à História, que promovessem as sucessões. 
Uma vez que seus filhos eram igualmente imortais, a solução encontrada foi engoli-los. 

A mãe, Rhea, frustrada em sua maternidade e em seu desejo que ver um filho-falo ser maior e mais forte que o marido que a possuía, tramou para que Zeus fosse criado oculto ao pai, o qual engoliu uma pedra, achando que se tratava do caçula.

Pois este é o mito do conservador.
 Ao mesmo tempo que almeja ser o senhor do tempo, sem que tenha essa competência intrínseca, traz a compulsão de devorar os filhos, ou seja, a geração seguinte e seu vigor de mudanças.

O conservador tem a grave neurose de querer se apropriar do tempo, o que significa o desespero frente à morte; morte que desejou, tramou e impetrou ao seu pai relembre-se, edipicamente. 

Ao mesmo tempo que quer usurpar o poder e se apropriar do tempo, nega os valores dos filhos da nova geração, a menos que os transforme também em conservadores, ou seja, narcisicamente cópias de sua neurose insuportável.

Note-se que Zeus fora alertado por uma mulher. Dependendo da versão do mito, fora sua avó (sabedoria ancestral) Gea, ou sua primeira esposa, Métis, quem o preveniu de que ele corria o mesmo risco de seus pais: ser destituído por um filho.

 Encurtando a história, Zeus engoliu Métis quando ela estava grávida, ou seja, incorporou essa dimensão feminina, neste caso, caracterizada pela astúcia e pela sabedoria, mais do que pelo conhecimento. 

Fora ela, por exemplo, quem fornecera a Zeus a bebida que foi dada a Kronos, para que ele vomitasse os outros filhos. 
Dessa gravidez de Métis e Zeus nasceu, pela meninge do pai, Athena, a mulher virgem e justa, o equilíbrio entre o masculino e o feminino. 

A justiça é a forma de adequar o tempo aos costumes, isto é, de respeitar a tradição sem ceder ao conservadorismo.
O conservador, além de fantasiar poder se apropriar do tempo, tem a compulsão de combater e perseguir tudo que renova. 

Odeia as novidades, as sucessões e a justiça democrática. Louva os ditadores, a violência contra os jovens e a censura. Combate o que é feminino, o que é criativo, o que tem o poder de frutificar sem o seu controle.

O lado sombra desse arquétipo é a compulsão por usurpar o tempo justo e a liberdade de viver.
Imagem: Saturno devorando o filho, de Rubens.
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